sexta-feira, setembro 08, 2006

CCC - Cambridge, Conferencia, Confusao

Ontem foi dia de ir a Cambridge assistir a conferencia que estava no link do post anterior. "A natureza do espaco e do tempo" e claramente um assunto que dava para ficar a conversar durante horas e foi um pouco isso que aconteceu, tendo havido perguntas que suscitaram discussoes prolongadas mesmo entre os membros do painel. Destes, destaco o Sir Roger Penrose (um heroi da minha adolescencia - geek, claramente) que escreveu um livro muito bom chamado The Emperor's New Mind - A mente virtual - que pode ser encontrado na coleccao Ciencia Aberta da Gradiva (sim, a mesma do Calvin & Hobbes). Um pequeno resumo esta on-line aqui. Os outros conferencistas iam desde um excentrico-frances-de-sandalias a um tipo do Vaticano, sentado ao lado de um fisico-matematico-que-nao-se-conseguia-esquecer-que-era-budista. A aparicao da noite ficou a cargo do Stephen Hawking que apareceu la na sua pose de Man-Machine mas que foi embora antes do final sem fazer qualquer intervencao na altura dos comentarios.

Quanto ao que foi dito, em si, andou sempre a pairar entre a fisica e metafisica, com um obvio excesso de matematica a mistura por parte de alguns (a comunicacao do Penrose, apesar de interessante, fui um pouco brusca na maneira como introduziu alguns conceitos). Muitos puxaram para o lado mistico do assunto (palmas para o "Vaticanista" e para o "Budista") mas houve quem conseguisse atingir o equilibrio (quase impossivel) ao incluir na sua comunicacao tanto o aspecto religioso da pergunta como os avancos cientificos feitos na area.

No entanto, apesar do interesse claro da discussao, nao cansava de me vir a cabeca:

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas?
Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Ha Metafisica Bastante em Nao Pensar em Nada - Aberto Ceiro

Paralelamente, ocorria-me tambem que este tipo de conferencia nao seria permitida no Imperial College London. A qualquer momento imaginava o meu chefe a entrar na sala e a comecar a perguntar "mas como raio ganham voces a vida a trabalhar nestas coisas? Va, tudo para a rua a fazer dinheiro!". E uma diferenca assustadora entre as duas universidades: uma e uma maquina de conhecimento (que o aproveita para fazer dinheiro) e outra uma maquina de dinheiro (que o aproveita para fazer conhecimento). Felizmente o Imperial e o ultimo e fica numa cidade (a serio).

4 Noitibós:

At 8/9/06 1:53 da tarde, Blogger joana noitibobou...

E ainda há a outra pequena, a que come chocolates, que não há mais metafísica no mundo senão chocolates :)

 
At 15/9/06 8:35 da tarde, Blogger Gonçalo noitibobou...

Podias ter escolhido um poema mais pequeno... sabes como é, o engenheiro tem pouco tempo para ler textos de índole não técnica.

 
At 25/9/06 1:13 da manhã, Blogger elisa silva noitibobou...

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.

:)

FP rulez
Em Londres, Brasil, no fim do mundo...



Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

 
At 25/9/06 10:53 da tarde, Blogger David Taborda noitibobou...

Essa é a minha citação preferida do FP... Tenho isso no meu quarto em Coimbra. Acho uma boa atitude para quem acorda :)

 

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